Rolezinho nos shoppings de Ribeirão e as contradições do preconceito

foto: Thais Ilyna

Rolezinho nos shoppings de Ribeirão e as contradições do preconceito

Em decisão recente, datada de 5 de junho de 2015, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) restabeleceu o direito de crianças e adolescentes frequentarem os dois shoppings os quais haviam sido proibidos, sendo estes o RibeirãoShopping e o Shopping Santa Úrsula.

 

A proibição foi em decorrência de decisão proferida pelo juiz da Infância e da Juventude da Comarca de Ribeirão Preto, Paulo César Gentile, por entender ele que os encontros de crianças e adolescentes nos shoppings estariam provocando desordem, riscos e insegurança para todos os frequentadores.

 

Indo mais longe, o fato, que se tornou polêmico, teve origem na ação da Polícia Civil de Ribeirão Preto, no início de 2014. Dois sentimentos se misturaram à ação da Polícia Civil de Ribeirão Preto, comandada pelo delegado Haroldo Chaud: indignação e tristeza.

 

Na oportunidade, em declaração à imprensa, disse o delegado sobre um encontro – que recebeu o nome de rolezinho – que estava sendo promovido por jovens para se encontrarem no Shopping Santa Úrsula: “Eles não tentaram provocar um crime e, sim, um encontro. Mas, no meio dessa turma, existem os aproveitadores que têm a intenção de cometer crimes. Então, eles estão incitando. ”

 

Ou seja, os jovens que criaram um evento no Facebook foram reprimidos e investigados só porque estavam chamando outras pessoas para irem ao shopping! E ainda foram acusados de, com a ação de chamarem outras pessoas para irem ao shopping, estarem os incitando ao crime! Também, pelo simples fato de convidarem pessoas para irem ao shopping, foram responsabilizados, se, porventura, algum crime fosse cometido no shopping!

 

Se assim é, Delegado, por que os organizadores do Carnabeirão não sofreram a mesma ação da Polícia, já que, por vezes, já foram encontrados entorpecentes na festa e diversos furtos e roubos foram cometidos dentro do evento?

 

O que os jovens queriam era, simplesmente, combinar um encontro no shopping. Em que momento isso é crime? E, se isso fosse crime, todos nós deveríamos estar presos porque, invariavelmente, combinamos encontros em diversos lugares, incluindo em shoppings.

 

Se, eventualmente, pessoas praticarem crimes no encontro, quem deve ser responsabilizado é quem praticou o crime e não outras pessoas que não praticaram e só organizaram o encontro. Se assim não fosse, os próprios prefeitos e prefeitas deveriam ser indiciados e estar presos em razão de todos os crimes praticados durante eventos realizados nas cidades pelas prefeituras.

 

E dizer que “há aproveitadores no evento com a intenção de cometer crimes” é fazer afirmação preconceituosa, já que todos são inocentes até que se prove o contrário. Não há nenhuma prova desses "aproveitadores" e a própria imprensaem entrevista com o Delegado, reproduziu isso: "Haroldo diz que a denúncia é baseada em conversas da rede social. Um jovem que aderiu ao evento teria dado a entender que praticaria furtos. O outro coloca uma coisa um pouco mais agressiva, mas não criminosa: a favela contra a classe média. ” A frase tem potencial de incendiar o negócio.

 

"Dar a entender", "uma coisa mais agressiva, mas não criminosa", ora, em que momento isso é crime? Se assim fosse, o dono do próprio Facebook é que deveria ser o primeiro a ser investigado e inquirido pelo Delegado, já que tantas conversas nessa rede social "dão a entender" tantas coisas, e tanta "coisa agressiva" é dita na rede.

 

Nesse fato lastimável, nenhuma alegação apresentada pelo Delegado, como se vê, justifica a ação praticada contra os jovens, ao revés revela, por mais este fato, a grande repressão social que ainda existe contra determinadas pessoas, que são classificadas dentro de "classes sociais".

 

A molecada foi reprimida, com ágil aparato policial, por organizarem um encontro no shopping. Foi isso. Nenhum crime foi praticado e nenhum crime existe nisso. Porém, os jovens que organizaram o encontro foram interrogados pelo Delegado, a Polícia Civil telefonou para o trabalho de um deles, falando para comparecer à Delegacia – inclusive, segundo a reportagem, a Polícia queria buscá-lo no trabalho. E eles passaram a ser investigados por "incitação ao crime".

 

Um dos jovens interrogado pelo Delegado nunca havia pisado em uma Delegacia antes. Ele faz curso profissionalizante e é estagiário em uma loja de um shopping. Sua mãe disse que, além disso, ele é o homem de casa, responsável e cuida da família. Perfil bem diferente do que dizem dos jovens que vão ao rolezinho, como se vê em muitas manifestações de racismo na internet.

 

E é exatamente esse racismo e preconceito que dão ensejo às repressões sociais historicamente praticadas contra negros, pobres e moradores de periferias. E essas repressões contribuem ainda para multiplicar e potencializar manifestações, essas, sim, criminosas, como mostra a imagem acima, praticadas com mais injustiças contra determinadas pessoas ou classes sociais. São crimes de racismo, apologia e incitação ao crime. Porém, nesse contexto, só o rolezinho, que é só um encontro de jovens historicamente excluídos, para passear num espaço, historicamente elitizado, é que é criminalizado.

 

Essas são algumas das contradições do preconceito.

 

 

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Raquel Montero - Advogada Seja Companheiro, faça sua doação ao PT de Ribeirão Preto

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